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É CULTURA...NELES!!!

“Temos que ser os motores de criação de um novo formato de Cultura”

por cristiano última modificação 07/11/2009 14:07
Entrevista com Geraldo Moraes da Coalizão Brasileira pela Diversidade Cultural, entidade criada para enfrentamento do monopólio cultural estadunidense


Leandro Uchoas,

Salvador, Bahia

Geraldo Moraes é presidente da Coalizão Brasileira pela Diversidade Cultural. Está em Salvador para o I Encontro Internacional de Diversidade Cultural. A entidade foi criada como estratégia de enfrentamento do monopólio cultural estadunidense, e visa atuar também no planejamento de novos modelos de produção e difusão de Cultura. A Coalizão está planejando um encontro brasileiro, no Piauí, para discussão de diversidade cultural. Também tem entre suas principais ambições, atualmente, encontrar parceiros para promover a criação de uma universidade de saberes populares, formando jovens em saberes populares que estariam desaparecendo. Nessa entrevista, Geraldo contextualiza a discussão da diversidade cultural nas conjunturas brasileira e internacional, na história recente. Também ressalta as possibilidades criadas pelo avanço tecnológico, e os acertos e erros das políticas governamentais no setor.

Como começou a se articular a Coalizão pela Diversidade Cultural?

Geraldo Moraes: No início da ampliação desse processo de globalização, começou uma pressão muito grande pela liberalização de mercados. No Consenso de Washington. Em função disso houve uma invasão dos produtos culturais norte-americanos no mundo inteiro até ficar com 85% de mercado.

Já existia a invasão. Se ampliou.

G.M.: Sim. É um processo que vem do início do século XX. Mas se acentuou tremendamente, e mudou a natureza. Eles se assentaram nos territórios, e concentraram nas mãos deles todos os três segmentos. Produção, distribuição e exibição. Querem que nós só entremos com o público e o dinheiro. Então, começou primeiramente na França, com Miterrant,  um movimento de reação, com a tese da exceção cultural. Surgiu a ideia de que a cultura tem que ser tratada de uma maneira diferente dos demais produtos. Cultura não é agricultura. Tudo era discutido no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). E ali a Cultura sempre perdia. Evidentemente, para fazer concessões para a liberalização da entrada de produtos americanos na cultura era uma facilidade enorme. Porque cada país queria garantir aquilo que interferia no seu PIB. Então, começou um movimento com as indústrias culturais. Então, as organizações da sociedade civil das indústrias do audiovisual, fonográfica, e editorial começaram a se reunir na França e no Canadá. Em seguida nos países de língua francesa. Mas logo isso se espalhou, justamente com um trabalho que foi feito nas relações com os governos. Que seria a necessidade de se criar uma instância mundial para discussão das questões que envolviam a Cultura, inclusive das pressões que sofriam. Então, surgiu a Convenção da Diversidade Cultural da Unesco. As coalizões tiveram uma importância grande, porque representavam uma frente das organizações da sociedade civil na indústria cultural. Mobilizaram governos, e fizeram um trabalho de conscientização para a aprovação da convenção.

O senhor caracteriza a convenção como um movimento de resistência?

G.M.: É um movimento de resistência sim. Sem dúvida alguma. Hoje nós estamos rediscutindo a natureza das coalizões. Primeiro, por elas serem criadas como defesa das indústrias culturais da França, tinham uma característica muito centralizada nas organizações de lá. Então, que sentido tem você falar em organização da defesa da indústria cultural na maioria dos países americanos onde sequer há indústria cultural? E em segundo lugar, como falar de Diversidade Cultural sem falar, por exemplo, da cultura indígena no Equador? No Brasil, das culturas regionais? Então, agora, as coalizões começam a se ampliar e ganhar outro sentido. Além dessa questão que você acaba de colocar. Sempre fomos, e continuaremos sendo, um movimento de resistência. Resistência à cultura monopolista. Nós estamos num momento em que as coalizões, e as organizações da sociedade civil, de uma maneira geral, tem que deixar de ser, puramente, movimentos de resistência, para ser os motores da criação de um novo formato e de uma nova cultura. Porque a revolução digital está fazendo mais do que uma mudança tecnológica. É uma mudança de tudo. Todo esse sistema que está montado, e que sustenta a própria indústria cultural, está falido. Cada vez mais as grande indústrias estão se fechando, com preços mais altos, produtos sofisticados, para um público cada vez menor. Para garantir os seus rendimentos pelo aumento do público, seguindo a concentração de renda. E as populações ficam cada vez mais marginalizadas desse sistemas. Cada vez menos produções independentes entram nas lojas e locadoras. Então, cria-se toda uma informalidade do lado de fora. Então, mais do que ser movimento de resistência, temos que ser os formuladores de um projeto de uma nova cultura.

Como é que você vê o papel da internet nesse contexto?

G.M.: A internet é vital nesse processo. A questão da tecnologia digital e da internet representam um outro modelo, uma outra coisa. Se a gente fala em cinema. O que foi o cinema? Uma tela grande onde passava um negócio no escuro. Hoje, o telefone celular “serve até para telefonar”. Ela na verdade é um gravador, uma câmera fotográfica, uma câmera de vídeo, com uma tela e um transmissor de internet. Então, nós não podemos continuar pensando exclusivamente em fazer produtos para a grande tela. Isso é aceitar o discurso do monopólio. Pensar em fazer filmes para “entrar no mercado” é aceitar o discurso de que esse é o mercado.

Você acha que existe hoje nos governos, em todas as esferas, vontade política de encarar esse problema, de criação de um outro modelo de cultura?


G.M.: Pra mim existem dois aspectos. Um deles é a criação de alternativas. Nesse, em particular, eu acho que as políticas do governo federal e de vários estados brasileiros são casos realmente muito importantes. A política do Ministério da Cultura com Gilberto Gil e Juca Ferreira, no governo Lula, de descentralização dos recursos, de descentralização dos editais, de criação de pontos de cultura, de estímulo ao cineclubismo e aos festivais de cinema. Tudo isso tem sido um estímulo muito grande de promoção da Diversidade Cultural, no sentido de abrir novos espaços e novas possibilidades. Vários estados estão fazendo isso. Nós não estamos na Bahia por acaso. A secretária de Cultura daqui fez um trabalho de escaneamento regional do estado onde foram identificadas as identidades. Mostrando não só as culturas predominantes, mas as subculturas internas.
O problema que eu vejo nas ações dos governos, e isso atinge o governo brasileiro e todos os outros, é a falta de força e vontade política de enfrentar o monopólio. O caso típico foi a tentativa de criação da Ancinav. Iriamos regulamentar toda a área de comunicações e de audiovisual, que precisa de regulamentação, especialmente do ponto de vista da produção e transmissão de conteúdos, e nós vimos o que foi que aconteceu. A pressão que veio das emissoras de televisão, que veio das majors norte-americanos, e do próprio governo norte-americano, foi insuportável.

E de setores do próprio governo.

G.M.: E de setores do próprio governo que tem suas ligações com o monopólio, que é das contradições internas do próprio governo. Esse é o problema maior. Nós temos insistido muito nessa discussão. Para que a gente entenda que, por um lado, é importante ter espaço no mercado convencional, mas por outro lado nós não podemos nos submeter a esse discurso.

Como se dá essa pressão das majors internacionais dentro da institucionalidade nacional?


De todas as maneiras possíveis. Por um lado, veja esse encontro. Nós temos aqui pessoas de quase 50 países, temos atores conhecidos no mundo inteiro, temos aqui uma série de pessoas que tem projeção, e você não vê nenhuma das nossas emissoras de televisão fazendo qualquer tipo de cobertura. Isso é a primeira questão. A segunda é a negativa de espaços quando se pretende falar de diversidade cultural. Na época em que estávamos trabalhando para a Ancinav, eu dei nove entrevistas para a televisão, nenhuma delas foi para o ar. Em compensação, as entrevistas contrárias à criação iam todas ao ar. É o controle editorial.
De outro lado, existem pressões de governo a governo. Eu importo seu suco de laranja e seu estanho, com a condição de que você não crie barreiras aos produtos das majors. A Coréia é o caso mais típico de todos. Um representante do Equador me disse que num tratado que estão negociando com os EUA, eles disseram que não queriam que se criasse empecilhos para a entrada dos produtos, nem grandes programas de fomento à produção nacional. O que representa o cinema e a música no PIB desses países? Nada. Então, a tendência é liberar. Existe também a pressão diplomática, e pressões de vários tipos.

Eu queria entender melhor, na verdade, como eles pressionam os parlamentares?

G.M.: As majors tem um batalhão de lobistas e de pessoas públicas que estão lá dentro. Quando nós estávamos defendendo o projeto da Ancinav, aconteceu várias vezes de a gente sair do gabinete de um deputado ou senador e, no momento que dobrávamos o corredor, estava chegando o lobista de uma grande emissora de televisão, e de majors. Eu encontrei amigos que são de majors em Brasília, com seus lobistas e suas lobistas – em geral lindas – desfilando no Congresso Nacional atrás de pressão.
Há um caso que foi muito emblemático, na Assembleia Geral da Unesco que votou a a Convenção [da Diversidade Cultural]. A [então secretária de Estado dos EUA] Condoleezza Rice foi para Paris, instalou-se num hotel, e ali convocou os representantes diplomáticos que estavam em nome dos países na Assembleia, um por um, para colocar na cabeça deles de que estavam malucos em apoiar a Convenção. Como vários não foram, e os que foram precisavam de um “lembrete”, chegou num momento que ela pegou com o timbre dela e fez uma mensagem por escrito, distribuindo entre essas pessoas. Como vários representantes diplomáticos que não aceitavam a pressão norte-americana, e vários tinham relações com a coalizão pela diversidade cultural, o documento dela foi escaneado e divulgado pela internet. Nós o reproduzimos em um livro. Então, você vê a importância que eles dão.

Uma pergunta que eu queria te fazer é sobre o Itamaraty. A política externa brasileira privilegiou o contato com países africanos, latino-americanos, o que em outras gestões não era comum. Isso, de alguma forma, estimula a promoção da diversidade cultural?

G.M.: É bom você levantar essa questão, porque eu acho que o Ministério das Relações Exteriores teve, para a aprovação da Convenção da Unesco, uma importância tão grande quanto teve o Ministério da Cultura. É preciso lembrar que o Celso Amorim, ministro das Relações Exteriores, foi presidente da Embrafilme. É uma pessoa ligada a cinema desde cedo. E o Samuel Pinheiro Guimarães, secretário-executivo, foi vice-presidente e tem textos considerados clássicos de defesa do cinema brasileiro. Para a aprovação da Convenção eles tiveram uma importância muito grande. E é evidente que qualquer aproximação com novos países tem seus reflexos culturais. O diálogo sul-sul é muito mais importante, até por quebrar a monotonia de ter que se remeter sempre à metrópole.

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