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A foice e o pandeiro



O samba, reconhecido nos anos 1940 como uma das maiores formas de expressão artística popular, fruto de um complexo processo que Hermano Vianna chamou de "mistério do samba", também foi privilegiado pelos comunistas. É amplo o espaço dedicado ao mundo do samba na Tribuna Popular. As colunas "O Povo se Diverte" e "O Samba na Cidade" eram publicadas com regularidade. Notas sobre a agenda e os preparativos dos bailes carnavalescos, cartas de leitores sobre o carnaval, homenagens feitas pelas agremiações carnavalescas à Tribuna Popular, divulgação dos assuntos de interesse da União Geral das Escolas de Samba (Uges) faziam do jornal comunista um espaço de participação e representação do mundo do samba. Um forte vínculo ideológico estabelecia-se entre a Uges e o Partido Comunista.

As escolas de samba eram vistas pelo PCB como organismos de concentração das camadas populares e tiveram um importante papel na estratégia de comunicação com o operariado, fiel frequentador dos grêmios recreativos, uma de suas raras opções de lazer. Por caminhos diversos, como visitas às quadras das escolas, realização de festas eleitorais, nas quais as escolas de samba eram as principais atrações, promoção de torneios de futebol com exibição das escolas de samba e visitas de sambistas à sede da redação da Tribuna, o Partido Comunista se aproximava das camadas populares. Na verdade, havia uma negociação recíproca: a aproximação com os comunistas no período da legalidade também aumentava a credibilidade do mundo do samba junto à sociedade.

Em novembro de 1946, no campo de São Cristóvão, o PCB organizou um desfile em homenagem a Luiz Carlos Prestes, do qual participaram 22 escolas. A maioria dos enredos exaltava o Cavaleiro da Esperança. Diversos intelectuais comunistas faziam parte do corpo de jurados. Paulo da Portela, eleito Cidadão Samba em 1937, um sambista respeitado por sua luta pela aceitação social do samba do subúrbio, também fazia parte do júri. Sagrou-se campeã a escola de samba Prazer da Serrinha. O samba "Cavaleiro da Esperança", da escola Lira do Amor, de Lourival Ramos e Orlando Gagliastro, recebeu um prêmio especial, não previsto no concurso: "Prestes!/ O Cavaleiro da Esperança/ Um homem que pelo pequeno relutou/ Seu nome foi bem disputado dentro das urnas/ Oh! Carlos Prestes/ Foi bem merecida a cadeira de senador/ Passou dez anos encarcerado/ Comeu o pão que o diabo amassou/ Oh! Prestes."

Carnaval e eleições de 47

Percebendo o sucesso junto ao mundo do samba, os comunistas buscam estreitar ainda mais a aproximação com as agremiações carnavalescas. Era comum, quase uma regra, que um jornal organizasse os festejos carnavalescos. Em 1947, foi a vez de a Tribuna Popular pleitear o direito de organizar o carnaval.

O primeiro bimestre daquele ano seria bastante agitado para os comunistas: eleições para a Câmara dos Vereadores, em janeiro, e promoção do carnaval. A campanha eleitoral, bastante lúdica, como reivindicava Mário Lago, utilizava em abundância versões de conhecidas marchinhas populares. "Mamãe, não quero", do comunista Jararaca (da famosa dupla caipira Jararaca e Ratinho), que seria eleito vereador, era uma das mais famosas:
"Mamãe, não quero/ Mamãe, não quero/ Mamãe, não quero mais mamar/ Eu já estou grande/ Quero saber em quem é que eu vou votar/ Vota meu filho/ Que és moço e és viril/ Vota pra grandeza e pro progresso do Brasil/ Vota com cuidado/ com cuidado vota/ Dá o teu voto/ A um sincero patriota!/ Não vota, meu filho/ Não crê na marmelada/ Dos que prometem tudo/ E no fim não fazem nada/ Vota com cuidado/ Olhe bem a lista/ Escolha os candidatos do Partido Comunista."

A tradicional eleição para Embaixador e Embaixatriz do Samba, no ano de 1947, foi organizada pela Tribuna Popular. Um ensaio para um outro pleito do qual o mundo do samba, dentro de poucos dias, não poderia se furtar: as eleições de 19 de janeiro, votando nos candidatos do Partido Comunista. A 15 de janeiro, lia-se na Tribuna: "Doraci de Assis conquista o primeiro lugar. A candidata do Prazer da Serrinha é seguida de perto por Tereza Lima e Luciana Batista. João Amazonas, Pedro Mota Lima e Vespasiano Luz, candidatos da Chapa Popular que os sambistas levarão ao Senado e ao Conselho Municipal, assistiram à apuração".

Retorno autoritário

Os planos de organizar os preparativos para o carnaval de 1947, conhecido como Carnaval da Vitória, em alusão à vitória sobre o nazi-fascismo, foram frustrados. Embora se diga que os anos 1945-1964 foram marcados pela democratização no país, permanecia ainda um forte traço autoritário, expresso na repressão da "polícia especial" às manifestações dos trabalhadores; na manutenção da censura; na cassação do PCB, em 1947; e na suspensão dos mandatos dos comunistas, em janeiro do ano seguinte.

O PCB, mais uma vez, cairia na clandestinidade. Para diminuir a influência do partido junto às escolas de samba, foi criada uma nova entidade representativa, a Federação Brasileira das Escolas de Samba, que passou a receber a subvenção oficial e a atrair diversas escolas filiadas à União Geral das Escolas de Samba, que foi sendo esvaziada.

Acusadas de "subversão", várias escolas de samba foram investigadas pela polícia política. Constam nos arquivos do Dops documentos relativos à "infiltração" de "elementos comunistas" nas escolas de samba, em pleno período de democratização. "Recomendava-se" a substituição desses componentes, sob pena de cassação das licenças de funcionamento. Durante a ditadura militar, a produção de documentos referentes à "subversão" nas escolas de samba aumenta consideravelmente. A documentação estende-se até o ano de 1983, quando a Unidos de Vila Isabel comemorava o aniversário de 85 anos de Luiz Carlos Prestes.

Longe de ser encarado como uma forma de alienação popular, o samba, para os comunistas, foi fundamental para o contato com o operariado. O estreitamento dos laços entre o PCB e as escolas de samba, na segunda metade dos anos 1940, consolidou uma parceria bastante sólida. Mesmo durante o novo período de ilegalidade, que se inicia em 1948, a parceria PCB/mundo do samba não se dissolveu. Ao contrário, ganhou novo fôlego com o interesse de setores da classe média, especialmente estudantes universitários e classe artística, que buscavam abrir caminho para a participação das camadas populares nas lutas sociais.

Em 1998, Luiz Carlos Prestes foi louvado na avenida pela Acadêmicos do Grande Rio. Dessa vez, não num desfile promovido pelo partido, mas com todo o aparato que cerca o carnaval carioca da atualidade, no desfile oficial. Sinal dos tempos.


* Valéria Lima Guimarães é historiadora e mestre em história social pela UFRJ.

Artigo originalmente publicado na revista Veredas do Centro Cultural Banco do Brasil.

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