terça-feira, 14 de junho de 2011
Entre eles, está a divisão social e internacional do trabalho e a lógica de funcionamento que provoca mutações para que os órgãos vitais apareçam e se desenvolvam como não vitais.
A separação dos sujeitos da realização de suas vidas, a precarização das condições de trabalho e de pertença aos territórios, acentuou os vínculos de dependência e subordinação dos que vivem da venda de seu trabalho.
Segundo o IBGE, mais de 190 milhões de brasileiros se dividem entre moradores do campo e da cidade. Enquanto o campo é composto por quase 30 milhões (13,5%) na cidade habitam (84,5%), mais de 160 milhões.
Mas esta lógica de separação formal entre o campo e a cidade não é tão real assim.
1. Migrações forçadas pelo mundo do trabalho
A história das migrações no interior da nação e para o exterior tem relação direta com a história da concentração de terra e da superexploração dos trabalhadores do campo.
Isto evidencia a tragédia acentuada da questão da educação, saúde, transporte, habitação, tanto no campo quanto nas cidades, e relata a forma como o Estado brasileiro destina seus recursos e trata uma parte da cidade como prioridade.
Estes elementos combinados revelam uma estratégia de poder sobre a produção em que o monocultivo e o latifúndio assumem a condução do processo, via coerção popular e/ ou consenso parlamentar. Isto é similar à dominação dos grandes projetos nas cidades.
O grande capital atua também na agricultura brasileira, e se enriquece às custas da necessária mobilidade do trabalho e da valorização especulativa de suas terras.
Dos 5.2 milhões de estabelecimentos no campo, o latifúndio, com mais de 1 mil hectares, fica com 43% do território produtivo do País e soma apenas 1% do total de proprietários, já a pequena propriedade corresponde a 85% dos estabelecimentos e produz em uma área de 24% do total.
Este Brasil do grande capital expressa a falácia de uma história de poder que relega o popular aos limites da existência humana e que impossibilita a pertença no campo e nas periferias da cidade para parte expressiva de sua população.
Segundo o valor econômico, as 5 principais commodities do Brasil – minério de ferro, petróleo bruto, complexo da soja, açúcar e complexo de carnes – foram responsáveis por 43% das exportações do País.
Já os pequenos produtores cumprem com a humana tarefa de produzir alimentos - 87% da mandioca, 70% do feijão e 34% do arroz - em condições severas ditadas pelo grande capital em sua aliança com o Estado.
Os grandes debates sobre as políticas públicas devem ser feitos com base na contradição capital-trabalho, em especial as conseqüências das privatizações da terra, da água e das sementes.
Essa lógica dominante tem feito com que parte expressiva dos produtores de alimentos se veja enroscada nessa cadeia desumana de trabalhar para sobreviver, sem tempo para pensar e atuar de forma distinta da aprisionada.
2. O campesinato: a classe e seu projeto
Dentro da ordem, o campesinato, enquanto classe, assume seu projeto de vida e luta por direitos constitucionais que permitam à classe trabalhadora consolidar uma vida com dignidade para o campo e para a cidade.
Fora da ordem, o campesinato trabalha para consolidar um projeto de sociedade com base em um plano em que o camponês seja o centro de irradiação do desenvolvimento, cuja relação com a terra não é a da troca utilitária mercantil, mas de convivência recíproca e respeitosa.
Um dos grandes desafios do campesinato tem a ver com a reafirmação, no território, do enraizamento dos jovens no campo.
Para isto, são necessárias políticas públicas que garantam possibilidades de realização de uma vida digna e plena de direitos no campo. Educação, saúde, transporte, moradia, crédito e venda dos seus produtos numa outra lógica de estímulo à produção e circulação das mercadorias, tendo o humano como centro.
O campo e a cidade juntos conformam a classe trabalhadora brasileira. Parte expressiva desta classe tem sido relegada à uma política pública periférica, frente à centralidade dos gastos do Estado com o grande capital.
A história da dominação no Brasil encontra no capitalismo uma forma sem precedentes de apropriação da riqueza por poucos sujeitos. E de produção de riqueza pela maioria da população que não consegue sobreviver do fruto de seu trabalho.
A ruptura só ocorrerá através da organização popular unificada entre campo-cidade, cuja irradiação de poder institua uma aliança dos que vivem do trabalho e lutam por se realizar em dita produção.
É necessário que o organismo vivo se levante e assuma com consciência seu papel vital no jogo das contradições. E reforce, na sua vitalidade redescoberta, a necessidade de construção de uma história de poder popular que faça tremer as matérias políticas e econômicas inorgânicas.
A via campesina é um organismo vivo em movimento. Aliada às lutas da cidade, agita um vulcão a entrar em erupção. Esse vulcão é a classe que vive do trabalho e que precisa romper com as amarras (in)formais que a escravizam na lógica fragmentada da dominação.
Roberta Traspadini
é economista, educadora popular, integrante da Consulta Popular/ES.
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